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por Dr. Ruy B. Mendes Filho, Médico Psiquiatra e Mestre em Psicologia, Professor de Psicopatologia, Supervisor Clínico do Hospital Psiquiátrico Itupeva e da Sociedade Rorschach de São Paulo.
O suicídio revela a intensa renúncia de tudo o que se considera como parte do mundo real.
É a máxima intolerância às frustrações, no convívio com as pessoas; um desprazer visceral perante as belezas naturais e o extremo desgosto com toda a existência humana. O suicida que age movido por esse afeto pode ser lúcido, ainda que corroído de mágoa e ressentimento, gerados por um criticismo ferrenho. Na dependência da intensidade desse solipsismo existencial, o suicídio é inevitável e provavelmente será planejado meticulosamente.
A condição depressiva que arrasta ao suicídio, ocorrência mais comum, é o produto do abatimento do humor que se acompanha de angústia intensa e inquietante. É infrequente que alguém encontre forças para o suicídio se há melancolia extrema, no mais acentuado grau de abandono e desistência do mundo e de si próprio.
Na síndrome de Cotard, o sujeito padece de uma ausência quase total de sentimento, que o leva ao delírio de negação do corpo e à convicção de já estar morto. O risco do suicídio é, portanto, previsivelmente maior nos estados depressivos com ansiedade insuportável, e maior ainda se a ansiedade é concomitante à impulsividade. Se há ou não psicose é quase irrelevante nesse caso.
Depressão ansiosa predispõe ao suicídio, tanto como resultado de intenção quanto por ‘raptus’, paroxismo de angústia. De fato, há outras perturbações mentais com risco suicida. Psicoses, desvios da personalidade e reações agudas ou persistentes. Sabe-se que isso se deve a hostilidade, frequentemente com a dinâmica de autodestrutividade latente ou manifesta.
Na clínica é indispensável verificar se há tendência suicida, porém através de abordagem indireta, pois sempre há o risco da sugestão.
A dinâmica ‘borderline’, com reações de autolesão e comunicação reiterada de intenção suicida deve ser levada a sério, até mesmo se o intento corresponde a um ato desesperado de contar com a atenção de outrem ou evitar a ansiedade de rejeição. Não é infrequente que se deva a um estado regressivo, de apego despótico e exigência de atenção.
A intenção suicida ocorre também em condições de severo esgotamento mental, em situações penosas de solidão e abandono. Há ainda a possibilidade de suicídio por retaliação, por vingança e remordimento, se o indivíduo se sentiu ultrajado ou traído. Nesse caso, o suicida é dominado pelo ódio e deseja ferir diretamente o desafeto.
Nas crises econômicas com perda de bens, de fortuna, emprego e falência, o suicídio se dá por desespero. Acontece como reação, após o sentimento de fracasso ou ruína. Em certos casos, é a honra ou o amor-próprio que induz ao suicídio, na dinâmica peculiar de autodestrutividade. Situações que produzem isolamento, como no episódio recente e prolongado de quarentena devido à pandemia da covid, são os estados de esgotamento que elevam o risco de suicídio. A impulsividade, latente ou manifesta intensifica o risco de suicídio.
Condições como a drogadição e doenças cerebrais, além de doenças crônicas e penosas, são fatores importantes das ideias e atos suicidas. A tendência ao suicídio pode se dever também à sugestão.
O livro de Goethe sobre o drama amoroso do “jovem Werther” suscitou uma onda de suicídios. Finalmente, desde o estudo magistral de Durkheim, a anomia ou ausência de valores deve ser considerada um fator importante. Trata-se de um risco ligado à carência de sentido para seguir vivendo. Em face dessa diversidade de motivos para o ato suicida, o resgate das pessoas não se pode resumir ao tratamento antidepressivo.
A constelação dos fatores exige cautela diagnóstica. É claro que alguém com ideias suicidas está dominado por sentimentos depressivos, porém seu estado não caracteriza a depressão como único transtorno. Aliás, há muitas perturbações mentais que abatem o ânimo e não será acertado o diagnóstico psiquiátrico exclusivo de “depressão”.
A avaliação da personalidade, os impasses ocorridos ao longo da história pessoal, os antecedentes patológicos e a possível ocorrência de outros transtornos, como doenças graves sem tratamento eficaz são dados que exigem investigação, através de informações do próprio sujeito ou de pessoas de sua convivência. Vê-se, dessa maneira, que o suicídio envolve condições pessoais, padrões de relacionamento interpessoal e fatores psicossociais relativos ao ambiente de existência. Essa pluralidade de desencadeantes deve ser levada em consideração, desde que se pretenda efetivar um programa de prevenção ao suicídio.
Fatos tão diversos e graves como o suicídio são pluridimensionais e isso é importante a todo programa voltado a uma questão que envolve o bem-estar individual e coletivo.
Referências:
– Barlow, David H. & Mark Durand, V- Psicopatologia: uma abordagem integrada. (Trad. da 7.ed. norte-americana de Noveritis do Brasil, sup. Técnica Thaís Cristina Marques dos Reis. 2. ed. São Paulo, Cengage Learning, 2015.
– Durkheim, Émile- O suicídio: estudo de sociologia. Trad. Andréa Stahel M. da Silva. São Paulo, Edipro, 2014.
– Giddens, Anthony- Sociologia. 4.ed. Trad. Sandra Regina Netz. Porto Alegre, Artmed, 2005.
– Oyebode, Femi- Sims sintomas da mente: introdução à psicopatologia descritiva. Trad. Maria Rita Guedes. 5.ed. Rio de Janeiro, Elsevier, 2018.
AUTOR
Dr. Ruy B. Mendes Filho
Médico Psiquiatra e Mestre em Psicologia, Professor de Psicopatologia, Supervisor Clínico do Hospital Psiquiátrico Itupeva e da Sociedade Rorschach de São Paulo.