A mudança do perfil do internamento psiquiátrico

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por Dr. Ricardo Biz*

Nas últimas décadas, houve considerável mudança no perfil das pessoas que necessitam de internação psiquiátrica.

Os hospitais psiquiátricos do passado abrigavam, em sua maioria, pacientes do espectro psicótico. Ou seja, a bússola para definir se uma pessoa era ou não louca estava apontada para a presença de delírios ou alucinações; agora, a agulha aponta para o novo polo: louco é aquele que não consegue conter seus impulsos, que está submetido a uma compulsividade que interfere em sua voluntariedade de seus atos. Assim as demandas por internação por dependência química e tentativas (impulsivas ) de suicídio  cresceram e atualmente representam praticamente metade dos casos que necessitam de internação psiquiátrica.

Outro grupo muito numeroso em internações psiquiátricas  se enquadram nas internações compulsórias ou judiciais.  Nesses casos, geralmente a família não  conseguiu dar um suporte ao paciente ou alguma instituição (Residência Terapêutica, Residência Inclusiva ou Abrigos para menores) não contiveram o paciente  e então o juiz mandou internar num Hospital Psiquiátrico. Devemos sim discutir acerca das internações judiciais, mas às vezes é o que se PODE fazer, diante de um cenários catastrófico no qual  paciente está inserido, e em, muitos casos, a internação é o que vai manter o paciente vivo.

Muitos pacientes da internação psiquiátrica têm associado ao seu quadro a deficiência intelectual, o que é um dificultador, em termos da integração e de uma produtividade mínima de tais pacientes. No Brasil não há uma preocupação consistente com aqueles pacientes que não se enquadram dentro de um modus operandi produtivo.

Dependendo do serviço de referência (pois alguns serviços são mais especializados em determinados transtornos e portanto recebem mais quantidade de determinado diagnóstico, além disso, eventualmente, os pacientes têm mais de um diagnóstico), de uma maneira muito simplificada, para favorecer uma didática ilustrativa, poderíamos dizer que as internações se dividem, hoje em dia, da seguinte forma:

– 20% transtornos psicóticos e esquizofrenia

– 20% usuários de drogas

– 20% tentativa de suicídio

– 20% transtornos do humor

– 20% transtornos de conduta

– mais que 30 % retardo mental

– mais que 30 % internações judiciais (juiz manda internar)

– 5-10% autismos graves, transtornos orgânicos (demências)

 

As internações de usuários de drogas em Hospital Psiquiátrico só não são maiores porque grande quantidade dos pacientes recorre a comunidades terapêuticas.

Décadas atrás, o movimento antimanicomial propunha o desmonte dos hospitais psiquiátricos com argumentos voltados para a questão da psicose: o paciente poderia conviver com sua doença, socializar o delírio  e ser acolhido por uma rede de apoio

Argumentos dirigidos apenas para pacientes psicóticos perderam a relevância pois representam apenas uma fatia dos pacientes internados. No entanto, devemos ressaltar a salutar preocupação de estruturar e desenvolver uma rede de apoio o que pode reduzir alguns internamentos.

Com a mudança de perfil dos internados, sobretudo pautada no quesito perda da autonomia ou domínio dos impulsos, o Hospital Psiquiátrico continua sendo importante instituição para salvar o sujeito no momento em que não consegue gerenciar a própria vida.

* Médico Psiquiatra e Psicanalista, Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Diretor do Centro de Estudos de Saúde Mental Itupeva e Membro da Equipe Multidisciplinar do Hospital Psiquiátrico Itupeva.

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